Proponho: enfim, arrumaria meu apartamento.
Tão desorganizado por linhas secas, má limpeza e descaso.
Expulsaria todo o lixo eletrônico da área de trabalho do meu computador.
Finalmente, desarmaria o último capítulo daquele livro esquecido no espaço da não leitura.
Com tudo organizado, sairia para dar uma volta — sem propósito, sem direção.
Colocaria um fone de ouro, escolheria uma playlist conforme a ordenação do meu/deles algoritmo particular.
Cantaria ao som do ruído das araras, desta vez sem sentir vergonha de mim, nem dos transeuntes.
Não ligaria para eles, nem para mim.
Serei corpo, capim, na minha boca?
Vai doer?
Lá dói há tanto…
Voltaria para casa.
Cumprimentaria dona Marta e saudaria todos os vizinhos do caminho.
Subiria, nesse dia, pelas escadas — de dois em dois degraus, por quatro lances de quatorze degraus.
Já em casa, acenderia uma vela aromática.
Me ducharia com uma água morna, como se estivesse dentro de mamãe.
Por que saí?
Gosto de, em pé, me debruçar na cerâmica fria da parede, sentindo a água escorrer entre meus ombros e nuca, dissolvendo meu corpo através do decurso da minha coluna.
Já anoitece.
Desligo a água, visto um roupão e vou direto ao armário.
Ao fundo da terceira gaveta, há uma caixa de madeira onde guardo meus comprimidos:
analgésicos, antibióticos, antialérgicos, antidepressivos, anabolizantes…
Anti-tudo.
Tomo-os todos. Nem coube.
Deito na cama arrumado e cansado.
Adormeço.
Só me lembraria de vovó.
Do lírio cedendo à tarde.
E de um brejo na alma